O vento vai levar essas lágrimas que choro por vocês, os aflitos olhos não retem a mentirosa imagem de uma boa vida.
Vai levar as tardes de riso, de esconde-esconde, de fazer gols, de vestir as bonecas para um desfile.
Também vai levar teu corpo velho e cheio de vida onde agora, balança sozinha a cadeira amiga.
O vento vai levar o passeio do cão que confia em você, que sem reclamar te segue para qualquer caminho.
Vai levar os poemas discutidos numa tarde, acompanhado do seu cigarro e da minha louca curiosidade em saber se gostou.
O vento vai levar o grosso livro de poesias, esquecidos dos motivos que o transformou em poesia.
Vai levar meus longos cabelos, que eu, caprichosamente, o transformava num invejoso coque. Que em segundos se desfazia lentamente caindo em meus olhos, que talvez chorasse, que talvez sorria.
O vento vai levar meus pensamentos, questionando o mundo, questionando comportamentos, meus recuos, minhas dúvidas, meus passos quase a beira da morte entre dois ônibus, teria sido inconsciente?
Talvez sim…ou não. Mas o vento levou.
Levou a mãe que pariu, levou a avó-criança, levou a filha apaixonada por um pai, levou a desesperada avó-canina, levou a romântica amiga, levou-me…
O vento levou o passado, daquela que sempre serei. Por mais forte que seja o vento, somos o que somos. Queríamos mais de nós, ter mais tempo para nós, pagar por nossas alegrias caras ou baratas, (nossas), vai levando o vento…o vento que não volta mais.
E se voltasse?
Perderia mais tempo, ou deixaria que o vento resolvesse por você…levar… seu tempo?
Maria Lenita 04set2021